XVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE POESIA

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

mulheres poetas do Brasil



Toda Palavra

Procuro uma palavra que me salve
Pode ser uma palavra verbo
Uma palavra vespa, uma palavra casta.
Pode ser uma palavra dura. Sem carinho.
Ou palavra muda,
molhada de suor no esforço da terra não lavrada.
Não ligo se ela vem suja, mal lavada.
Procuro uma coisa qualquer que saia soada do nada.
Eu imploro pelos verbos que tanto humilhei
e reconsidero minha posição em relação aos adjetivos.
Penso em quanta fadiga me dava
o excesso de frases desalinhadas em meu ouvido.
Hoje imploro uma fala escrita,
não pode ser cantada.
Preciso de uma palavra letra
grifada grafia no papel.
Uma palavra como um porto
um mar um prado
um campo minado um contorno
carrossel cavalo pente quebrado véu
mariscos muralhas manivelas navalhas.
Eu preciso do escarcéu soletrado
Preciso daquilo que havia negado
E mesmo tendo medo de algumas palavras
preciso da palavra medo como preciso da palavra morte
que é uma palavra triste.
Toda palavra deve ser anunciada e ouvida.
Nunca mais o desprezo por coisas mal ditas.
Toda palavra é bem dita e bem vinda.


Viviane Mosé




E logo

Taxia na pista
o avião que me leva.
Do lado de fora o campo
os muitos vagões de um comboio
avançam nos trilhos.
Duas forças se lançam
no mesmo sentido
irmãs por  segundos,
e logo
o avião se desprende do chão
as rodas se escondem no ventre
o avião faz-se ave.
Abaixo
o trem lentamente se torna
um traço de lápis
no verde.

Marina Colasanti

do livro Passageira em Trânsito




AMANHÃ

Se devoras teus sonhos
quando se ensaiam apenas
e secamente represas
essa linguagem de flores
e teu desejo de asas
que restam subterrâneas,
quem serás tu, depois
do grande sono, amanhã?

Olga Savary





A Bela Adormecida


Estou alegre e o motivo
 beira secretamente à humilhação,
porque aos 50 anos
não posso mais fazer curso de dança,
escolher profissão,
aprender a nadar como se deve.
No entanto, não sei se é por causa das águas,
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas,
ou se é por causa dele que volta
e põe tudo arcaico, como a matéria da alma,
se você vai ao pasto,
se você olha o céu,
aquelas frutinhas travosas,
 aquela estrelinha nova,
 sabe que nada mudou.
O pai está vivo e tosse,
a mãe pragueja sem raiva na cozinha.
Assim que escurecer vou namorar.
 Que mundo ordenado e bom!
Namorar quem?
Minha alma nasceu desposada
 com um marido invisível.
Quando ele fala roreja
 quando ele vem eu sei,
porque as hastes se inclinam.
Eu fico tão atenta que adormeço
a cada ano mais.
Sob juramento lhes digo:
tenho 18 anos.
Incompletos.

Adélia Prado


Como se te perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas. 

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro 
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

Hilda Hilst


Amavisse (1989)




O nome do gato assegura minha vigília

e morde meu pulso distraído
finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos
e patas emergentes. Mas onde repousa

o nome, ataque e fingimento,
estou ameaçada e repetida
e antecipada pela espreita meio adormecida
do gato que riscaste por te preceder e

perder em traços a visão contígua
de coisa que surge aos saltos

no tempo, ameaçando de morte
a própria forma ameaçada do desenho
e o gato transcrito que antes era
marca do meu rosto, garra no meu seio.


Ana Cristina César

Um comentário :