XVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE POESIA

terça-feira, 28 de maio de 2013

signos




o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqaui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde caí

pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some

a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
a palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve

já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada

o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora



Arnaldo Antunes
in Dois ou mais corpos no mesmo Espaço
Coleção Signos - 1997

ECO POIEMA


ECO POEMA
Claudio Willer

vozes
teoremas

sintomas
que sejam
vulto
paisagem
seta, reta

curva ... sem raios ou coisa
paisagem menos muralha

rasgos, sussurros,
risco salto, movimento
temperatura de homem
ladrilho, asfalto

se febre, contágio
se poema ocupação

leito, verso momento...

poesia.

Carmen Silvia Presotto, Vidráguas!, lendo Claudio Willer, uma das minhas maneiras de ler e escrevendo, outros de contar o poema em voz alta e importante que o sentir siga ecoando e a poesia, a leitura ressoando...


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Ademir Antônio Bacca




Insensatez

eu navego 
em ti 
o desejo insano 
que persegue 
anos a fio. 

nas águas perigosas 
do teu cio 
eu me deixaria afogar
de vez. 








de máscaras & machucados

se mascaro a dor
com um sorriso
que não sei de onde
me vem
é porque cedo
aprendi a lição:
nos tombos
que a vida me deu,
poucas vezes
tive rede de proteção

© Ademir Antonio Bacca

do livro: “Gritos por dentro das Palavras”






iceberg

o que escondo
nem sempre é
a minha parte
mais perigosa

um bloco de ternura
hiberna
há muitos invernos
submerso em mim
à espera
de tantos reencontros



insônia

inventei tantos mundos
e abri tantas portas
em minha insônia
que tem noites
que não encontro caminho
para voltar para dentro de mim



ferido de morte

me deixe quieto
no meu canto

não toque no rádio
não mexa na ferida
nem provoque o sonho

deixe a noite
acontecer sem pressa

não fale meu nome
não atravesse a ponte

fique onde estás
e me deixe entregue
ao meu silêncio

hoje,
eu calo por nós dois



nós

essa coisa
que há em nós

busca que não cessa
palavra que não sacia

esperança que a gente tece
teimosamente
todos os dias

essa coisa
que há em nós

bálsamo para tantas dores
que a gente acostumou
e nem mais sente

força estranha
que há em nós
e nos leva pelas ruas
em busca dessas coisas todas
que na madrugada
desatam sobre nós



migração

sonhos

sonhos
batem asas
dentro de mim

quem sabe para o norte
quem sabe para morte



do conformismo

eu toco
a minha vida
como que conduz
um tropa de bois

de que me vale
a sensibilidade
de poeta
se a insensatez
dos governantes
sempre põe tudo
a perder?


Extraídos de BACCA, Ademir Antonio. PLANO DE VÔO. Bento Gonçalves: Grafite, 2004. 128 p.


Ademir antônio Bacca
Natural de Serafina Corrêa, RS, é poeta, contas, folclorista e jornalista. Publicou, até 2007, oito livros de poesia, além de organizar e participar de muitas antologias. Ativista cultural, organizador de festivais e eventos de poesia com repercussão nacional e internacional.

“Ao alçar seu Plano de Vôo, com poemas curtos e tocantes, é possível imaginar o poeta navegando sua asa delta emocional pelas querências gaúchas, captando o silêncio do silêncio, num horizonte sempre distanciado.”

JOSÉ MENDONÇA TELES

coração de honra - Dilan Camargo


CORAÇÃO DE HONRA

Tenho um coração de honra
Não choro penas de mim
Não tem bom, não tem ruim
Só é meu o que mereço
Pago pra vida o seu preço
Do começo até o fim.

Não peço esmola ao destino
A minha vida eu bendigo.
Eu conto é mesmo comigo
Mantenho erguida minha testa.
No sofrimento ou na festa
Ao meu lado tenho amigo.

Só a verdade me ilumina
Do mundo eu tomo tenência
Sigo a luz da minha consciência
Não dou elogio de graça
E só a uma prenda lindaça ( e só a um peão lindaço )
Chamo de vossa excelência.

Sei o certo e o errado
E tudo o que tenho dito
São ideias que reflito.
Por isso não me confundo
Vou aprendendo com o mundo
Só luto porque acredito.

Tenho um coração de honra
Ninguém me ganha no grito
Respeito mais meu cãozito
Do que muito mequetrefe*
Com pose de grande chefe.
Falo e mando por escrito.



* mequetrefe: se mete onde não é chamado; patife.


POEPLANO

Num poema-plano
me chamo Fulano
dou bom dia e abano.
Já fui um freudiano
até kafkiano
sou mais franciscano
não há engano. .
Faço mil planos:
voar de aeroplano
ser amigo de Beltrano
usar o tutano
passar de ano
tocar piano
virar drummoniano. 
Pode ser insano
o meu poeplano
mas é bem humano.
É isso, meu mano !


Minha Lei é Ler


Minha lei é ler
o nome na lista
o sangue na pista
os cacos do vidro
os brancos do livro
a febre de sentir
a ânsia de partir.

Minha lei é ler
o amor imperfeito
o vazio no peito
o “amém” das igrejas
o antes que elejas
o gemido da foca
a viagem da coca.

Eu só leio
eu só leio
o Livro do Desassossego.

Minha lei é ler
o anverso do espelho
o estorvo do artelho
a fome da escória
o fio da História
o medo do infante
uma linha adiante.

Minha lei é ler
o dólar do dia
a cidadania
o choro profundo
a letra do mundo
a alma que voa
tudo do Pessoa.



Paisagem

Nunca encontrarás essa mulher
ela é um país sem paisagem
para os teus olhos que não inventam chuvas
e que estão sempre de passagem.

Tua distância ainda não é suficiente
para chegares até ela.

Ir, chegar e regressar
sobre as tuas próprias pegadas
para verter de novo teu mundo
é tão improvável e impreciso.

Se o teu desejo fosse o bastante
para enfim encontra-la
mas não tu a toca com desespero.

Nunca encontrarás essa mulher
e essa não é tua sentença
é um mundo que ainda não reconheces.

E se acaso a vires no horizonte
não fales nada, não fales nada
porque ainda é cedo, muito cedo.

Quando for encontrada
Essa mulher
Não será a tua imagem será paisagem.



Dilan Camargo
Nasci em Itaqui e passei minha infância e juventude em Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. Nessa convivência, aprendi a falar o portunhol. Fui sempre um assíduo freqüentador da biblioteca do Colégio Sant’Anna, onde cursei o antigo ginásio, e da Biblioteca Pública.  
Dos 14 aos 18 anos, junto com colegas e amigos, fundamos o Grupo Gente Nova. Criamos e apresentamos um programa de músicas e comentários na Rádio São Miguel e editamos um jornal impresso, dirigidos ao público jovem, com artigos e notícias. Esta foi uma fase importante na minha formação e que influenciaria a minha futura decisão de me tornar um escritor. Sempre gostei de ler e isso foi um passo para depois me dedicar também a escrever, o que faço, ainda hoje, como um dos maiores prazeres do meu dia a dia. Aprendi, desde cedo, com o meu professor de português e literatura, Irmão Gabriel, o clássico ditado latino: “Nenhum dia sem ler, nenhum dia sem escrever”.

a mesma língua fala



Oficina de Poesia Falada


Exercícios:

1. Mergulhar no texto até que seja possível compreender todo o seu universo dramático. Perceber as nuances de cada verso ou de cada palavra, para a partir daí ter condições de criar uma forma adequada de interpretação através da fala.

2. Respiração:
Respirar calmamente para relaxar antes de cada leitura até sentir o corpo leve, e através da leitura silenciosa, observar espaços rítmicos do texto para melhor executar a respiração dentro desses espaços que devem ser explorados intensamente.

3. Memorização:
Executar a leitura silenciosa até ter certeza que o texto está completamente compreendido em todos os seus códigos e significados. A partir daí, começar a executar uma leitura em voz alta, frente ao espelho de preferência, procurando verificar se verso por verso já está grudado na ponta da língua e na pele da memória.


OBS.: Essa Oficina de Poesia Falada pode ser oferecida a adomicílio, a acompanhada de uma Oficina de Produção de Vídeo, com tem sido realizada em São Conrado e Copacabana, no Rio de Janeiro, com aulas de duração mínima de 2 horas. Custo a combinar.



As musas de Ignacio

a mesma língua fala
quando deitamos palavras duras
a vida crua sobre o corpo do texto
e do teu poema
partilhamos a busca do mesmo céu
de língua e dentes em viva dança
não mais de veia bailarina
querendo escrever tanto a um só tempo
sobrepomos ao risco da morte nossos  textos
pactos de carícias entre fonemas
sons dançantes que saem além da boca
sedução de risos no imaginário
do menino que admirava a brancura
da pele da primeira musa
e matava os anões com as palavras
creme de champion envenenados
colhidas nas florestas de outro tempo
risos emoldurados em boca e janelas
lá pelas terras de Araraquara
12 anos antes do nascimento
da estrela mágica
do beijo que não vem da boca
lá onde eu poderia ter escrito
o meu primeiro poema
cantando língua e beijo
ao vento dos ventiladores

Cristina Grando




Poética 72

a relva ainda molhada
a neve renova a pele
fosse Londres logo ali a dentro
LUAna me morderia a língua
até sangrar de susto
lamberia o sal da carne até
cessar a fome
foi ali que Ana se desfez da vida
para sempre
e
da janela voou para o infinito
ainda tenho seus pés aqui
cravados nos dentes da memória
era setembro de 83 e o Vapor Barato
rodava no vinil da loja aqui do centro
com um buraco negro no peito
que chegava a osso




Poética 73

assim como se tanto
te queresse e não pudesse
essa tensão levar-te a cama
a dama se desfaz
mesmo não sendo
um blues rasgado
ou rock and roll
na língua solta
pela pele em tuas costas
lambendo as curvas
por detrás da tua orelha
vermelha a blusa agora despe
baton saliva tudo como em tua boca
pode ser som de bolero
quando um beijo quero quero
a vida é muito curta pra ser pouca

arturgomes



Fulinaíma Produções

Contatos: portalfulinaima@gmail.com
(21)6964-4999 (22)9815-1266

quarta-feira, 22 de maio de 2013

3 poemas de Sérgio Bernardo Correa


foto artur gomes


FALHA GEOLÓGICA


Mar de fósseis em cada esquina,
a urbe agoniza
com cheiro de maresia no asfalto.
Nas praças navegam horizontes apagados,
sem mapeamento possível,
num hemisfério de sucata.
Jornais nunca lidos espalham palavras
na sombra desses homens,
de borco uns, uns de lado,
mastigando guimbas com lábios cheios de felicidade.
Perdidas memórias nos arquivos,
houvesse algum tempo para reavê-las,
seria minúsculo.
Mas não há:
o tempo fendeu-se como falha geológica
geradora de mortos.
Também não há identidade
nas reentrâncias das ruas,
entre havaianas,
copos descartáveis,
a sopa da noite,
todos sangram por poros iguais,
cruzam a mesma praia nua.
Quem dera houvesse ao menos conchas.


in Asfalto (Selo OFF Flip, 2010)



LISBOA EM MAIO 



Um céu que anoitece tarde
sobre colinas e telhados
ao longo do rio largo
costurado à terra por pontes.
Uma língua reconhecível
na boca dos passantes
sem a pressa das metrópoles.
Um vento que lambe como lobo esfomeado
à espreita nas esquinas
e no topo das escadarias.
A marcha dos eléctricos
quase em câmera lenta:
burricos de tempos aldeões
que ainda empacassem nas ladeiras.


.

EXIGÊNCIA DA CRÍTICA 


Tem um medo terrível de si, 
de amanhecer com dez braços
necessitando movimento 
e ser ainda a mesma de hoje 
a imperícia dos dedos,
um medo fundo de amanhã 
subverter os objetos da casa 
até então usados como acessórios
e não como inventos,
tem medo de estar dentro
e desamar o que está fora
como coisa pestilenta na origem, 
um medo imenso de um dia
se desapegar dos perfis e dos nomes
como quem se desabitua do amor
pelo desgaste da palavra,
é grande esse medo de si
(bem maior que o medo dos outros)
por ser um livro lido à exaustão 
com rigor nas leituras.



Sérgio Bernardo Correa


terça-feira, 21 de maio de 2013

Brazilírica Pereira : A Traição das Metáfors




Poema 1

entre a pele e a flor no asco
com meia sola no sapato
o meu vapor mais que barato
industrial e infonáutico
entre o couro de zinco e o cabelo
mar de indecifrável plástico
por entre os bronzes do teu pêlo
entre o gozar cibernético
em todo sangue magnético
a minha carne pós poeira
entre a flor e  o vaso de barro
na home page ou no carro
na camisinha de vênus
vírus H corroendo
em vita plus ou na sala
meu olho gótico TVendo
brazilírica lâmpada fala
por um tanto ou tanto quase
cento e dez em cada fase
não sendo assim acaba sendo


Poema 2

debaixo da sacada a escada trota
pássaro sem teto acima do delírio
coração de porco crava no oco da noite
a faca cega, punhal de cinco estrelas
na constelação do cão maior
por onde úrsula nua passeia
dédala de dandi deusa de dali lua de dada
no coração do pintor sem fronteiras
acima do pé de abóbora
embaixo do pé de cajá
malásia não é aqui
espanha não além mar
salvador não é dali
a mulher que eu quero mesmo
e uma dedé que não dada
bia de dante do inferno itamarati itamaracá
constelação ursa maior
pra dada meu coração pra dedé não sou cantor
quando quero quero mesmo
espuma nylon pele tecido isopor


Artur Gomes
In Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas
o livro pode ser comprado através do site www.alpharrabio.com.br